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Crítica

Rango | Crítica

Animação desmedida é boa de provar mas pesada para digerir

10.03.2011, às 18H45.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 14H17

O herói do Velho Oeste prova o seu valor no calor do momento, e não há erro do passado que não se corrija com um ato de bravura no presente. São, por isso, tipos muitas vezes fora de contexto, como o Homem Sem Nome que Clint Eastwood fazia nos filmes de Sergio Leone, forçado sempre a se adaptar a uma situação diferente, fiel apenas ao seu código pessoal de honra e de conduta.

Se passassem pela mesma antropomorfização das fábulas que emprestam características humanas a animais, esses velhos caubóis seriam que bicho? Rango aposta no camaleão. Há os homens sem nome e há os animais sem identidade, os camaleões. Desafiar o lagarto a enfrentar sua crise existencial, tirá-lo do conforto de um aquário e jogá-lo no meio de uma cidade empoeirada de western, é a premissa do primeiro longa em computação gráfica do diretor Gore Verbinski.

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Ironicamente, Rango é um filme com "identidade demais", do roteiro rebuscado aos ângulos de câmera cheios de floreios. Desconfie quando todo mundo elogia um filme por ser "diferente"; estamos tão acostumados à produção padronizada de Hollywood que sair da mesmice se torna, de repente, uma garantia de qualidade. Obviamente, é sempre possível fazer um péssimo filme diferente, enquanto algumas mesmices são muito bem realizadas...

Em Rango, enfim, a excentricidade é a regra, para o bem e para o mal.

A princípio, ela opera a favor. É na fase de design de produção - o estágio que concentra os melhores profissionais e ao qual se dedica mais tempo hoje na indústria - que Rango se diferencia. Enquanto a maioria das animações ocidentais segue à risca o Sistema Japonês de Empatia, com personagens de olhos enormes e cintilantes, para emocionar multidões, o camaleão tem os seus cobertos por pálpebras, quase por completo.

Até dá pra ver a pequena íris clara dos olhos de Rango, mas tem que fazer esforço - e dar sorte para que os dois olhem para você ao mesmo tempo, já que os olhos dos camaleões são independentes um do outro. O design de Rango é pensado não a partir de uma possibilidade de empatia, mas da problematização do personagem, que afinal não tem uma personalidade com que nos identifiquemos de começo. Não por acaso, a boca é muito mais expressiva no rosto do lagarto do que seus olhos. O que nos leva a Johnny Depp, a voz de Rango em inglês.

Se a camisa florida, a pança e os olhos (cobertos) do tamanho de óculos de aviador não fossem sinal suficiente de que Rango foi concebido como a imitação que Johnny Depp faz de Hunter Thompson, o próprio jornalista gonzo aparece no começo do filme em uma ponta, para deixar tudo evidente. A verborragia do camaleão está preservada na dublagem brasileira - trabalhada com o mesmo exagero de sotaques daquelas novelas "sertanizadas" da Globo - mas o clima de Medo e Delírio se dissipa um pouco.

Verbinski, claro, depois de ter dirigido três Piratas do Caribe, está tão interessado no Depp-gonzo quanto no Depp-Jack Sparrow. É nessas horas - depois que todo aquele processo de design e concepção ficou para trás - que o diretor tem que achar o tom certo da narrativa. Verbinski não é conhecido por seu equilíbrio, e também não é em Rango que ele encontra uma medida. Na sua condução, a excentricidade sai do controle, da piada neurótica que se estende demais à obsessão por enquadramentos injustificados (a equipe de animação deve ter desenvolvido um jeito de emular transparência de vidro, e Verbinski filma tudo por garrafas, copos...).

Como o roteiro faz muita questão de parecer esperto, com suas altas metáforas e sua metalinguagem, metidas no meio da crise do camaleão (que diz procurar seus conflitos, sua jornada etc), os excessos se somam. A mão do corroteirista John Logan, especializado nas superações grandiosa, de Gladiador a O Último Samurai, deve ter pesado. Custa construir um arco dramático sem ficar jogando esse arco na nossa cara? Além de banalizar a experiência do filme para os adultos, dificulta o acesso às crianças (a não ser que você tenha uma criança que coleciona figuras de linguagem).

No fim, Rango é um filme que encanta à primeira vista, pela estranheza, pela excelência no design de personagens antropomórficos, um filme de premissa inteligente e boas viradas de roteiro, mas cuja condução descalibrada tende a tornar futuras reprises um pouco penosas.

Nota do Crítico
Bom
Rango
Rango
Rango
Rango

Ano: 2011

País: EUA

Classificação: 10 anos

Duração: 107 min

Direção: Gore Verbinski

Roteiro: John Logan

Elenco: Johnny Depp, Isla Fisher, Ned Beatty, Bill Nighy, Alfred Molina, Abigail Breslin, Claudia Black, Timothy Olyphant, Ray Winstone, Stephen Root, Harry Dean Stanton, Ian Abercrombie, Gil Birmingham, James Ward Byrkit, Blake Clark, Keith Campbell

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