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Poder além da vida

Sr. Miyagi à moda Roberto Shinyashiki

25.01.2007, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H21

O pendor habitual do diretor Victor Salva para o impacto estético marca a abertura de Poder além da vida (Peaceful warrior, 2006).

Em off, junto com os letreiros, escutamos explosões a cada dez segundos. Quando abre, a câmera está rente a uma esteira de ginástica - as explosões são pingos de suor caindo no chão dentro de um ginásio lotado. Metros acima, em câmera lenta, Dan Millman (Scott Mechlowicz) finaliza seus rodopios nas argolas. No salto final, Dan aterrisa mal. Sua perna se estilhaça como se fosse feita de resina. Em choque, o atleta só consegue enxergar o sapato de couro grosso do faxineiro que recolhe sua perna em cacos.

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Registrar imagens do cotidiano sob uma ótica surreal é uma constante no trabalho do diretor, que despontou em Sundance com Clownhouse (1988), história de três garotos aterrorizados por palhaços de circo, e depois assinou para a Disney Energia Pura (1995), sobre um menino albino que possui poderes telecinéticos. Salva teria saído definitivamente do nicho "horror B" para o mainstream se não fosse uma mácula criminal: o diretor molestou um dos atores-mirins de Clownhouse, crime pelo qual pagou três anos de cadeia, muitos meses de trabalho comunitário e o livramento condicional em 1992.

O californiano de 49 anos passou o inferno midiático nos anos 90. Refaz agora a transição do gênero "menor" (ele dirigiu os estilosos Olhos Famintos e Olhos Famintos 2 em 2001 e 2003) para uma obra "séria". Poder além da vida, típico drama edificante, é adaptado do livro Way of the peaceful warrior, de Dan Millman. É trajetória de superação das mais clássicas. Na vida real, o ginasta Millman estava a caminho da Olimpíada quando arrebentou-se num acidente de moto. Condenado a nunca mais competir, entrou em contato com práticas de meditação. "Guerreiro", aprendeu a estar "em paz". Voltou a treinar. Mesmo cravejada de pinos, a sua perna aguentou o tranco de uma espantosa volta por cima profissional.

A cena surreal que abre o filme era só um pesadelo de Dan, atleta em ascensão que não sabe lidar com suas ambições e seu talento. A meditação, o poder do título, que o Millman real ensina no livro a cultivar, é uma espécie de zen-estoicismo que ajudará o personagem a superar seus traumas. Quem lhe transmite a lição, na melhor linha gente-humilde-que-nem-parece-mestre-do-corpo-e-da-mente, é um dono de posto de gasolina (Nick Nolte), sujeito sem nome que Dan apelida de Sócrates.

Salva filma de um jeito muito parecido com o de Sam Raimi, eliminando planos de transição e tomadas abertas mais explicativas, que nos mostram o espaço e a situação como um todo, e intensificando a passagem rápida de um plano fechado a outro. É escolher enquadramentos com rigor e saber imprimir ritmo na montagem. Close-up no rosto de Dan sucedido por uma câmera lenta mostrando seus músculos tensos ao limite, de novo no rosto, de novo no corpo, e assim por diante.

O diretor é atento ao mundo de imagens que o cerca, e nesse ponto seu estilo casa perfeitamente com o que prega a filosofia do filme, de tapar os ouvidos para os ruídos, internalizar-se e saber captar os detalhes ao redor. Visualmente, ainda que o registro surreal visto no começo seja apenas um relance, o filme é bastante competente.

O problema é que vivemos na era dos gurus de auto-ajuda, e o livro de Dan Millman não escapa da categorização. É como um Karatê Kid em que o Sr. Miyagi é interpretado pelo Roberto Shinyashiki - Daniel San, Dan Millman, os aprendizes se parecem até no nome. O Millman escritor enche seu relato de filosofices, e toda a gordura textual o inexpressivo roteirista Kevin Bernhardt não conseguiu lipoaspirar na transposição para a tela. Salva até sabe o que fazer com as imagens, mas patina no "overtexto".

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