Filmes

Entrevista

Omelete Entrevista: Paul Greengrass

Diretor fala sobre Zona Verde, direção de atores e porque deixou a franquia Bourne 

14.04.2010, às 00H00.
Atualizada em 15.11.2016, ÀS 03H08

Steve Weintraub, editor de nosso site parceiro Collider, conversou com o diretor Paul Greengrass (A Supremacia Bourne, O Ultimato Bourne) sobre seu último filme, Zona Verde (Green Zone). A mais recente parceria entre o diretor e Matt Damon, mostra o ator como um soldado em busca de armas de destruição em massa, nos primeiros anos da Guerra do Iraque. Greg Kinnear, Brendan Gleeson, Amy Ryan, Khalid Abdalla e Jason Isaacs também estão no elenco.

Na entrevista, Greengrass fala longamente sobre todos as etapas da filmagem, como é o processo dele ao dirigir os atores e também os motivos que o levaram a deixar a franquia Bourne.

Zona Verde

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Eu gostaria de começar falando sobre o processo de edição. Você é conhecido por permitir improvisações, mudanças e ter o roteiro apenas como ponto de partida. Quanto do filme você encontrou ou descobriu durante o processo de edição? Você poderia falar sobre a pós-produção que entrou no filme?

Paul Greengrass: Bom, é meio difícil falar sobre a pós-produção sem falar sobre o que veio antes. Olha, cada diretor faz filmes de maneira individual. Mas a visão clássica de fazer filmes é bem linear. Você tem um roteiro, então filma as cenas do roteiro, aí edita isso e o filme está pronto. Essa nunca foi a maneira como eu enxerguei o processo. Eu sempre tento trazer o roteiro, a filmagem e a edição de uma maneira quase simbiótica, alinhadas da maneira mais próxima possível e que seja consistente, é claro, com os recursos e tempo que você tem em mãos. Porque, para mim, é só assim que você consegue chegar à essência do cinema, que é a relação entre estrutura, rigidez, formato - o que você quiser chamar -, e liberdade, improvisação, o momento. E você precisa ter essas duas coisas, não é possível uma sem a outra, pelo menos é o que eu acho. Eu acho que as pessoas, quando falam sobre meu estilo - eu posso estar errado -, estão falando sobre esses dois extremos que no processo acabam casados. Então eu acho que quando você pensa nos meus filmes, eu espero que você pense sobre esse desenrolar verdadeiro, em tempo real, performático, com um sentimento de quase improvisação, sabe? Sentimentos muito verdadeiros, misturados com um jeito conciso, claro e detalhado de contar a história. Bom, a razão que eu consigo isso, quando eu consigo, quando dá certo - e não é sempre que dá, é claro -, é porque eu questiono esse modelo linear e trago-os para um alinhamento mais próximo.

Então, o que isso significa na prática? Significa que você tem um roteiro, quando começa. E a maioria dos filmes que eu fiz na minha vida, fui eu que escrevi. Não todos, mas diria que a maioria. Esse foi o Brian Helgeland mas, para todos os efeitos, nós somos uma equipe. O roteiro está lá para te dar uma estrutura, conhecimento da situação, quem são os personagens, o que eles querem, como vai acontecer? Essas são as primeiras perguntas, mais importantes do que o diálogo. Obviamente, temos diálogos e diálogos muito bons. Mas é preciso ter essa base sólida para que, quando você chegue para filmar, você abra o roteiro para os atores e torne isso um processo livre e opinável. Eu gosto que seja muito, muito livre. Às vezes deixo até mais livre que o roteiro, omito alguma informação para os atores para que eles sejam forçados a estar presentes no momento. Essencialmente, estou tentando libertar a cena, então você tem uma colisão entre estrutura e liberdade. Então chegamos à sala de edição e Chris Rouse, que edita todos os meus filmes, impõe um grau extremo de rigidez nesse momento, de um jeito muito rápido, para que possamos dar as costas para o processo de filmagem imediatamente. Se os recursos permitirem.

Vou te dar um exemplo. Nós estávamos em locação durante 12 dias e nesses dias tínhamos a liberdade de progamar da maneira que quiséssemos. Não podíamos ficar lá mais do que 12 dias, mas tem esse tempo para brincar. Lembro que no primeiro dia marcamos um ensaio, porque era o primeiro dia do Jason Isaac. Marcamos o ensaio porque no outro dia tínhamos a cena com a chegada do helicóptero, precisávamos ensaiar sem câmeras toda a chegada dos helicópteros, como os caras iam descer e tudo isso. E o Jason tinha acabado de chegar, mal tinha provado o figurino. Eu disse para ele "Por que não filmamos isso? Já estamos todos aqui, não vai nos custar nada para filmar, então por que não? Talvez dê para tirar algo disso. É um ensaio, então se não render nada, não sairemos perdendo". Fizemos isso e ficou muito aparente que a ideia do Jason, de que ele estava indo falar com Miller quando ele saísse do helicóptero, não estava certa. Ele não deveria falar com ele, deveria continuar andando e ignorá-lo completamente, que foi o que fizemos. Mas descobrimos isso filmando. Tem uma intensidade em remexer no material que te faz encontrar o jeito certo.

Outra cena foi quando Matt e Amy Ryan estavam no quarto de hotel e tentamos essa cena de vários jeitos, tínhamos várias cenas escritas, mas nunca estive muito confortável com elas. Então tentei encorajá-los a viver a situação.

Então quando você olha a grande sequência de ação do final. Nesse tipo de cena, não faz muito sentido ter muito diálogo. O roteiro é um mapa da estrada. Às vezes é um mapa incrivelmente detalhado, baseado em diálogos, às vezes é um mapa da filmagem para dar uma noção para os atores. Mas na verdade, quando você chega lá pode perceber que não está indo no caminho certo. E descobre isso durante a performance. Às vezes você faz as duas coisas e arruma tudo na ilha de edição. Então isso que é o cinema. É um processo de construir organicamente seu caminho até o objetivo que você vê claramente na distância. Ou que você mal enxerga na distância através do terreno que você precisa atravessar conforme vai. É isso que eu acho que dá a um filme, para mim, os meus filmes, uma melhora no senso de realismo do desenrolar da trama, porque estamos resolvendo problemas durante o caminho. Mas existe uma rigidez muito grande do começo ao fim.

Você poderia falar um pouco sobre o que, especificamente,  você viu em cada ator para cada papel? Por que eles se destacaram para você?

Bom, Matt porque ele é muito bom. [risos] E a melhor estrela de cinema do mundo. Brendan, porque eu queria um cara que fizesse parecer que ele já estava no Oriente Médio há muito tempo, tinha visto de tudo. Eu estava muito interessado na ideia de que o agente da CIA seria um dos mocinhos. Isso me pareceu muito original, então precisávamos de um ator que conseguisse passar integridade, mas dentro de uma visão de mundo rígida e pragmática. Eu acho que ele faz isso muito bem.

Khalid, porque Freddy era um personagem muito difícil - um cara sem uma perna. Seria muito fácil esse personagem não parecer uma pessoa de verdade, com um ponto de vista verdadeiro. E Khalid é simplesmente um dos melhores jovens atores da Inglaterra.

Amy, pelo mesmo motivo. Eu queria uma jornalista, mas queria que a jornalista parecesse muito real e presa dentro de seu próprio problema. Ela recebeu uma informação e agora é claro que ela vai até lá verificar, porque não está se provando. Então ela meio que precisa confessar para Miller o que aconteceu. Existe uma simplicidade, não era uma grande afirmação. Ela é muito real e parecia uma repórter profissional.

Quem falta? Greg, é claro. Eu achei que ele faria um ótimo vilão. O que é ótimo na atuação dele, eu acho, é que você meio que consegue perceber que ele está desconfortável com tudo aquilo. Ele dá uma sensação de idealismo mal-direcionado, o que eu acho que é a essência de tudo ali. Poucas pessoas fazem coisas ruins porque elas são realmente más. Elas geralmente fazem coisas ruins porque acreditam que estão fazendo a coisa certa, mas estão mal-direcionados. E acho que você consegue perceber isso nele. E o Jason, porque ele tem o melhor bigode da história, e é um grande amigo meu.

Você acabou usando muitos soldados de verdade no seu filme, buscando autenticidade. Você poderia falar um pouco sobre como eles contribuíram ou talvez até como eles influenciaram as decisões as suas decisões, no final das contas?

Bom, eu tinha muito claramente que nós estávamos construindo um thriller, um filme para atrair um grande público - essencialmente a plateia da série Bourne. Para que você entenda meu processo de pensamento: para mim seria impossível fazer os filmes da série Bourne e não ter em mente que existe um grande público que gostou muito daquela mistura específica de elementos que eu e Matt usamos, que se formou para aquelas filmes. Em outras palavras: um personagem com fortes valores morais; cenas de ação detalhadas, intensas e com muita energia; um ritmo rápido e forte; cenários do mundo contemporâneo, que parecem reais e também uma boa dose de inteligência. Acho que isso foi uma combinação nova em um gênero já conhecido, e normalmente é essa a habilidade necessária, se você está trabalhando em cinema comercial, que precisa para atrair uma grande audiência. Você precisa se manter em gêneros que a plateia consegue compreender, mas testá-los, forçar os limites um pouco. Quando você acerta, a plateia adora a novidade, mas ela é sustentada pela familiaridade do gênero.

Queríamos que os filmes Bourne ficassem o mais próximo possível da realidade, como se tivesse sido arrancado das manchetes. Não queríamos mostrar tanto as partes dramáticas do mundo, mas tudo parecia muito turbulento. Então os filmes refletem isso, um thriller de conspiração paranóico e a plateia pensa "É, isso é parecido com agora".

Então, a ideia nesse filme é ver se conseguimos dar um passo à frente no mundo real e construir um thriller de conspiração que tenha a mesma energia, detalhamento de história e uma moral, um herói com valores nobres e toda essa coisa. Não é um filme da série Bourne, mas trazemos os mesmos elementos nessa parceria.

Então, temos tudo isso, mas a história é sobre Matt, Brendan Gleeson, Amy Ryan e Khalid Abdalla. E podemos dar suporte à atuação deles, por exemplo, trazendo uns caras reais. Porque, no fim das contas, ao invés de chamar vários atores para interpretar soldados, é muito melhor colocar soldados para atuar. Eles já sabem o que precisa fazer e você não precisa ficar explicando para eles a história, que Miller precisa entrar naquela casa. Você até poderia encontrar atores que fariam isso, mas de certa maneira, você quer que eles se comportem como soldados. Então por que não ter soldados de verdade? É mais fácil, é só dizer "Te disseram que aquela é a casa, então vai!". Também temos Matt e alguns atores com experiência militar como Jerry Della Salla, que é o número dois e então vários soldados. Isso, eu acho, ajudou muito o Matt. Quer dizer, você terá que perguntar para ele, mas acho que isso o fez ficar confortável no papel e ser muito verdadeiro, além de dar intensidade. Ao menos essa foi a intenção.

Eu vou te fazer a pergunta que todos os fãs da franquia Bourne querem saber: você definitivamente não vai fazer mais um? Você poderia dar um status dessa situação para as pessoas?

O que aconteceu foi que eu senti... Olha, eu amo a franquia Bourne. Sou o maior fã de todos, gosto muito e dei tudo de mim nos dois filmes que eu fiz. Mas quando fui sincero comigo mesmo, em setembro do ano passado, e já estava começando a criar outras coisas, não dá para fazer mais quando você percebe que já fez tudo que poderia fazer. Que você não tem mais nada para contribuir para uma franquia que obviamente precisa continuar. E para que uma franquia continue, ela precisa de um reboot, precisa de novas energias e novas perspectivas. Eu senti que tinha terminado e não existe nada de anormal nisso. Fazer um filme leva 18 meses da sua vida, sete dias por semana, 20 horas por dia. Você precisa ter uma motivação real. E simplesmente tinha muitas outras coisas em que eu estava interessado. Sinto que me diverti muito, foi maravilhoso, eu amei a franquia e quero que ela continue. Então, no fim das contas, ao contrário do que saiu na mídia, nunca houve nenhum tipo de discussão com o estúdio. Passei bastante tempo pensando em como seria o próximo filme, e só aí que você percebe "Quer saber? Eu meio que já fui embora". Tivemos uma ótima conversa, eles foram muito compreensivos e eu disse, "Quer saber? Nós vamos fazer outros filmes".

Então é isso, podemos por um ponto final? É oficial e você realmente não vai fazer mais um?

Eu estou fazendo outras coisas.

O que nos leva para a próxima pergunta: o que você está planejando para seus próximos projetos?

Não sei. Ainda não tenho nada definitivo, mas estou gostando de reviver, sabe, os últimos quatro filmes.

Foram oito anos?

É. Seis na verdade. Supremacia Bourne, Vôo United 93, Ultimato Bourne, Zona Verde. Acho que parte do que eu senti, apesar de não ter percebido isso na época, mas foi como sentar e dizer "Na verdade, é o fim deste capítulo". Todos os quatro filmes, na verdade, são sobre esta década e todos estão interligados de uma maneira um pouco peculiar. Apesar de que uns são diferentes dos outros, eles são todos sobre aqueles anos, aquele mundo. Aquele tipo de filme grande e enérgico, de ação. Então acho que preciso encontrar coisas novas. Na verdade preciso encontrar coisas diferentes, me envolver com um novo material. Gostaria de fazer alguma coisa que envolve mais meninos e meninas, homens e mulheres. Amor.

Uma comédia romântica?

Nunca se sabe. Um filme para família... Olha, eu ainda vou fazer, eu ainda quero... Matt e eu ainda queremos fazer algumas coisas, continuar a nossa parceria. Nós com certeza vamos fazer isso. Mas simplesmente chegou a hora de seguir em frente. É isso que acontece. Olha, vocês seriam os primeiros a dizer, caso eu continuasse e fizesse um filme ruim, que eles deveriam ter contratado um novo diretor.

O que as pessoas podem esperar para o DVD/Blu-ray de Zona Verde?

Nada. Eu apenas filmo o que preciso, depois tiro o cenário e acabou. [risos] Os extras serão bem interessantes, na verdade. Temos algumas cenas muito interessantes que vão ilustrar aquela primeira pergunta. Você verá os momentos em que tentamos alguma coisa de início, para tentar desenrolar a história. Nas cenas excluídas você poderá ver aqueles momentos em que nós chegamos a um lugar, mas através de outra cena. A chave é que, como diretor, você precisa saber aquilo que você quer. É a diferença entre um mapa e a viagem. Por melhor que seja o mapa, ele não é a viagem em si.

Zona Verde entra em cartaz no Brasil esta sexta, 16 de abril

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