Filmes

Entrevista

Omelete Entrevista Pablo Trapero, diretor de Leonera

Um dos principais nomes do cinema argentino fala de histórias, melancolia, mercado - e Santoro

07.11.2008, às 11H00.
Atualizada em 03.11.2016, ÀS 03H10

Depois de estrear bonito em longas-metragens com Mundo Grúa em 1999 e levar o prêmio da crítica no Festival de Veneza, o cineasta argentino Pablo Trapero virou nome certo em festivais. Ao mesmo tempo acessíveis e sofisticados, seus filmes seguintes, Do Outro Lado da Lei (2002) e Família Rodante (2004), tiveram lançamento comercial no Brasil. O mesmo se repete agora com Leonera (2008), tocante drama de cadeia que tem a participação do brasileiro Rodrigo Santoro.

No filme, Martina Gusmán, esposa do cineasta e produtora dos seus longas anteriores, estréia como protagonista no papel de Julia, mulher acusada de homicídio que vai presa grávida na Argentina e precisa ser direcionada a uma ala especial do presídio feminino que é um verdadeiro jardim-da-infância. Trapero esteve no Brasil para prestigiar a retrospectiva de sua breve mas sólida cinematografia na 34a. Mostra e, numa mesa-redonda, conversou com o Omelete.

Como você escolhe uma história que te interessa narrar?

Por um lado, são temas que me interessam quando eu penso que são dois anos de trabalho e eu preciso estar convencido de que são histórias que quero contar. Se eu não tenho certeza de que vale a pena, não tem sentido. Também é importante que essas histórias abram espaço para temas novos e pouco conhecidos. É importante que exista não só o mundo do cinema - festivais, crítica etc. - como exista também a possibilidade desses filmes viverem fora desse universo e se tornarem testemunhos de uma época, de uma situação. Cinema é um espaço de comunicação.

Essa geração de transformações é também algo pelo qual passam os personagens...

De alguma maneira, essas histórias são aprendizados. Nós aprendemos coisas novas todos dias, para sermos melhores, para sermos pais, para sermos amigos, parentes... E sempre enfrentamos situações que nos obrigam a entender o que precisamos fazer. Pode ser algo grande, como se converter em um policial bonaerense [em Do Outro Lado da Lei], ou algo anônimo, que encaramos todos os dias. Muda a política, a vida sentimental. Em cada caso aprendemos coisas novas.

Em Do Outro Lado da Lei e Leonera há duas cenas muito parecidas, que são as festas de Ano Novo, em que ao mesmo tempo você tem a celebração e uma melancolia muito forte. Você acha que essas duas coisas são inseparáveis?

Esses tipos de cerimônias existem desde sempre porque funcionam um pouco como catarse e um pouco como "pontuação". É uma carga de euforia e de melancolia juntos. Todos temos lembranças de um Natal ou um casamento... Nessas festas sempre o sentimento fica latente. Em Família Rodante é um casamento, em Nascido e Criado é a morte... São momentos de muita mística, digamos. Em Leonera, essa festa se torna outra coisa por estar acontecendo lá dentro [do presídio]. Tem outro significado. Temos um Papai Noel, mas não é o mesmo valor de um Natal numa casa de família, em outro país, outra cultura...

Você acha que esse sentimento da lembrança, da festa, é uma coisa mais portenha ou universal?

Hhmm, não creio... Não sei. Penso que os filmes são universais. Mudam os costumes, as religiões, os lugares, mas as cerimônias têm o mesmo sentido. Em Leonera tudo é uma questão de contexto. O cárcere tem um valor, mas esse cárcere é distinto com ou sem crianças. São as mesmas paredes, mas mesmas celas, mas os espaços, como cerimônia, não dependem de uma definição. Dependem de uma vivência.

Dá pra colocar o cinema feito hoje na Argentina dentro de uma definição?

Não dá pra colocar esses filmes dentro de uma definição prévia. A validação acontece posteriormente, pela crítica e pelo público. Não há nesse grupo de filmes um manifesto, uma regra do que seja bom ou ruim. Talvez o que una esse grupo seja o compromisso dos diretores com as histórias e a diversidade. Os filmes de diretores como Lucrecia Martel, [Daniel] Burman ou meus filmes são muito distintos. Eles dialogam, mas sempre provam caminhos próprios. Há filmes de experimentação, outros mais comerciais. Há uns que estréiam com duas cópias e outros que estréiam com cem.

Leonera é uma co-produção com a brasileira Videofilmes, de Walter Salles. É um esforço para distribuir melhor os filmes latinos no Brasil e na Argentina?

Essa idéia da co-produção é uma iniciativa para fazer com que os filmes transitem mais de um lado para o outro, que cruzem a fronteira. Acho que isso já está acontecendo. Hoje Leonera estréia no Brasil, anos atrás o país não recebia nada [da produção argentina]. Assim como alguns filmes brasileiros há algum tempo atrás não estreavam em Buenos Aires, apenas em festivais ou cineclubes. Já é meu quinto filme, e alguns dos anteriores não passaram em outros filmes da América Latina. Parece-me importante buscar esse vínculo. E é um trabalho de muitas partes: dos diretores, produtores, exibidores... Eu penso que subestimam a capacidade do público de se decidir por coisas diferentes.

A idéia de trabalhar com Rodrigo Santoro tem a ver com essa tentativa de chegar ao público brasileiro?

O caso de Rodrigo é especial, porque tem a ver com o roteiro. Tanto o personagem de Ramiro [Santoro no filme] quanto a personagem de Sofia [a mãe de Julia na história] fazem parte do passado de Julia, são estrangeiros, literalmente. Sofia porque volta ao país depois de muitos anos. E Ramiro não fica muito claro de onde é - ele tem um sotaque espanhol diferente, não é de Buenos Aires. A idéia era mostrar que Julia não tem ninguém. Seus dois únicos vínculos com o lado de fora são personagens que não fazem parte de sua vida. Eu não queria trabalhar com um ator argentino com sotaque mudado. Queria um estrangeiro para ter esse valor. Claro que ajuda, mas não é uma coisa pensada como marketing.

Como se deu então a escolha?

Antes de mais nada, Rodrigo me parece um grande ator. Vi sua capacidade de entrar nas histórias mais distintas, todas com muito compromisso. Nesse caso, era importante para mim Rodrigo ter feito Carandiru. Porque é um personagem que está preso e aparece pouco tempo em cena, então é um trabalho pesado, e eu não precisei explicar muita coisa pra ele. Se fosse um ator argentino teríamos visitado um presídio de verdade, etc. Foi muito bom para ele como ator e pra mim como diretor que ele já conhecesse por cima as regras da cadeia... Mas tudo isso não teria sentido se ele não fosse um bom ator. Mesmo nos filmes em Hollywood ele atua com solidez. Ele já havia feito Che, então tinha um treinamento em espanhol - se não fosse isso seria difícil para ele e para mim.

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