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Entrevista

Omelete entrevista Alejandro González Iñárritu, diretor de Babel

Omelete entrevista Alejandro González Iñárritu, diretor de Babel

02.10.2006, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H20
Babel

Babel

EUA, 2006
Drama - 142 min

Direção: Alejandro González Iñárritu
Roteiro: Guillermo Arriaga

Elenco: Cate Blanchett,


Brad Pitt, Gael García Bernal, Jamie McBride, Kôji Yakusho, Lynsey Beauchamp, Paul Terrell Clayton, Fernandez Mattos Dulce, Nathan Gamble, Adriana Barraza, Mohammed Bennani, Clifton Collins Jr., Elle Fanning


Fotos: Gabriela Magnani

O diretor mexicano Alejandro González Iñárritu nasceu na cidade do México em 1963. Depois de começar sua carreira artística como DJ de uma rádio, passou a compor músicas e enfim produzir programas para o poderoso canal Televisa. Seu próximo passo foi criar sua própria produtora, a Zeta Films. Para sobreviver fez comerciais enquanto criava curtas e médias-metragens e escrevia seu primeiro longa, Amores Brutos, que apresentou ao mundo Gael García Bernal. A estréia não podia ter acontecido em melhor palco, o Festival de Cannes. De lá para cá, Iñárritu trocou sua cidade natal por Los Angeles, mas não perdeu a vontade de fazer os filmes que quer. O segundo projeto foi 21 gramas, estrelado por Sean Penn, Benicio Del Toro e Naomi Watts. Agora, com a estréia de Babel, Iñárritu fecha o que ele chama de trilogia da vida.

Em que momento da sua vida e como surgiu a idéia de fazer Babel?

A idéia de Babel surgiu há três anos e meio atrás, dois meses antes de iniciar 21 Gramas. O objetivo, originalmente, era fazer um filme passado em cinco continentes, com cinco idiomas diferentes, e mostrando que um ato de um ser humano pode se converter em uma espécie de tsunami, percorrer milhas e causar tragédias a todos os personagens conectados. Pensava em explorar o tema em escala global, depois de haver explorado localmente em Amores Brutos e 21 Gramas a mesma teoria do Caos, e assim finalizar a minha trilogia. Era uma necessidade pessoal de abordar uma série de temas que estavam me causando muita dor e preenchendo minha mente e meu coração. Foi a necessidade de expressar o que eu sentia em um país como os EUA, onde estou morando e pude perceber a raiz de meu exílio.

Você poderia falar o que o motivou a escolher os países retratados em seu filme como o Japão representando a Ásia, o Marrocos, a cultura árabe, e o México, a América Latina? É possível fazer a leitura de uma metáfora da relação de poder dos EUA frente aos países considerados de terceiro mundo desta lista?

Inicialmente foi um longo processo. Pelo caminho fui encontrando quais seriam os países mais aptos. Quando Arriaga me apresentou o roteiro, a história que eu queria desenvolver, era a dos dois meninos na Tunísia que atiravam acidentalmente em um casal norte-americano. Mais tarde eu decidi que filmaria no Marrocos, porque eu havia visitado o local aos 19 anos e tive um impacto muito grande ao chegar por lá. Também era muito importante falar sobre o tema da fronteira entre o México e os EUA, daí eu propus a introdução do personagem da empregada mexicana que toma conta das crianças americanas, pois vivo na Califórnia e estou cercado de histórias como essa. No ano 2000 visitei o Japão, que se transformou num grande mistério para mim. A partir daí soube que era imprescindível levar uma câmera, me pareceu uma obrigação todo aquele enigma a ser decifrado. Há uma certa simetria dentro dessa construção que pode ter sido o resultado da busca de um equilíbrio. Mas durante o processo nos demos conta que cinco países seriam demais para conseguir trabalhar, então acabamos com quatro. Foi um processo instintivo, pessoal de minha parte, por razões pessoais, mas também houve, intelectualmente, a busca de um equilíbrio.

Como foi a escolha dos atores? Ao desenvolver os personagens você já tinha pré-concebido quem poderia interpretá-los ou simplesmente, durante o processo, você foi escolhendo os atores de acordo com as cidades em que se passavam as histórias?

São processos complicados. Posso dizer que 17 dias antes de iniciar as filmagens no Marrocos não tínhamos sequer um ator marroquino. A primeira história filmada foi a de Brad Pitt e Cate Blanchett e não encontrando o que eu precisava dentro da indústria cinematográfica local, decidi ir ato os povoados do sul de Marrocos, que são muito pobres - a maioria nem tem eletricidade - para buscar gente da terra que nunca havia visto uma câmera. Ali acabei encontrando 90% do elenco usado no Marrocos. Essa foi uma das decisões mais difíceis que já tomei em minha vida, mas foi uma decisão que deu uma personalidade, uma textura na película que eu nunca teria alcançado se tivesse sido feita com atores. Fora Cate e Brad não havia atores.

Quanto a Cate Blanchett, ela é uma pessoa que sempre admirei. É uma das melhores atrizes do mundo, e só uma pessoa como ela poderia fazer um papel tão difícil, de uma estrangeira alvejada que estaria o tempo todo sangrando. Deveria ter um peso dramático. Eu queria mostrar o ponto de vista da pessoa ferida, e só ela poderia interpretar de maneira convincente. No caso de Brad Pitt, me parecia interessante a possibilidade de não dar certo. Não era um papel do seu estilo, não é uma emoção óbvia para ele. E ainda, para muitos, poderia haver dúvidas de vê-lo interpretando um homem comum, um ser humano sofrendo. Mas não era importante que somente ele triunfasse, mas que também o filme seguisse adiante, pois é sobre isso que se trata a história e foi esse desafio que me atraiu muito e ele o representa convincentemente.

Você foi o responsável por mostrar Gael García Bernal para o mundo em Amores Brutos e nesse filme a aparição dele não totaliza mais que 15 minutos, apesar de ter um papel chave para o desenvolvimento de uma das tramas. Você poderia falar um pouco sobre isso?

Ele aparece o necessário para o desenvolvimento da história. Não é a questão de ser o Gael, a Cate, o Brad. O filme é sobre seres humanos. São três seres humanos dentro de um conjunto de seres humanos e é sobre isso o filme. Os três fizeram papéis importantes, pois são conhecidos e mesmo assim não aparecem como palmeiras em um bosque de pinho. Eles se transformam de palmeiras em pinhos. Eles fizeram um trabalho muito profundo e a mesma compaixão que eu senti pelos personagens, eles também sentiram. Pode-se ver que é um filme bem democrático, muito global. Não é um filme de americanos ou de marroquinos, mas de seres humanos, pela diversidade, pela cultura.

Sendo de origem mexicana, como foi para você ultrapassar as fronteiras, chegar até Hollywood e fazer uma grande produção como essa? A Paramount financiou o seu projeto logo de cara?

Basicamente foi por causa do resultado dos meus trabalhos anteriores. Eu tive o privilégio de ter pessoas que apoiavam o filme. Foi um filme rodado em 3 continentes, com 4 histórias e 5 idiomas. Tinha a possibilidade de ser um grande filme ou um grande fracasso. E ademais eu queria dizer que ser diretor é uma atitude, não uma profissão. Eu tive que convencer que o projeto era bom e só daria certo com um grande financiamento. Por isso procuramos apoio financeiro não só nos EUA, como também em países da Europa e da Ásia. Por isso eu digo que é um filme nômade, não um filme mexicano. Eu não sei se poderia dizer que é um filme de uma nação. Não sei se é necessário levantar uma bandeira, estabelecer fronteiras.

Em seus três filmes você apresenta a história de maneira não linear, essa seria uma característica sua ou foi um artifício usado apenas para essa trilogia?

Eu creio que cada história tem diversas maneiras de ser contada. Meu pai, que era um grande contador de histórias, sempre me contava as histórias pela metade, no meio da história ele ia para o final e quando eu perguntava algo ele dizia para esperar um pouco e voltava para o início. E também posso dizer que a literatura latino-americana é uma grande influência para mim, como Ernesto Sábato, Jorge Luiz Borges, todos têm as suas formas particulares de estruturar a narrativa e a densidade dramática. Eu creio que no caso de Amores Brutos e 21 Gramas houve um exercício mais extremo em relação aos aspectos estruturais. Em Babel há um estilo formal, me parece que é, dentro da minha trilogia, a película mais linear e mais cronológica de todas, é a mais fácil em termos estruturais.

Você falou sobre a estrutura de suas histórias. Queria saber se há alguma influência de alguma obra específica de William Faulkner.

Eu creio que não exista uma obra específica de Faulkner que tenha influenciado nem a mim nem ao Arriaga. Eu creio que no meu caso uma grande influência foi Rashômon. Foi o primeiro filme que me tocou. Se não me engano é um filme do Kurosawa de 1958, e que surpreendeu o mundo pela sua estrutura. Eu creio que Godard e Alain Resnais também são grandes mestres do estruturalismo, mas não tenho uma referência específica de um escritor ou de diretor. Eu creio que o que mais me influenciou foi o meu pai e o déficit de atenção que tenho e que me faz pensar de uma forma diversa.

Eu tenho uma teoria que o cinema é uma experiência emocional fragmentada. São cenas que se filmam independentemente, às vezes com meses de distância, e que uma vez juntas podem criar uma emoção porque nosso cérebro une as informações entre uma cena e outra. E essa emoção fragmentada para mim é fascinante, única. No teatro não podemos fazer isso.

Geralmente eu faço várias coisas ao mesmo tempo, falo ao telefone com minha irmã, vejo as notícias na TV, escrevo um bilhete. Essa fragmentação que nós vivemos, para mim, é a maneira de narrar as histórias como faço. É algo perfeitamente natural. Tenho uma tia que sempre conta as histórias de maneira bem linear e eu acho muito chato. Cada vez mais as formas rígidas e tradicionais têm desaparecido da literatura, e não acho que seja apenas um estilo, mas elas servem ao drama, que nesse caso é uma outra maneira diferente de contar uma história.

Existem alguns diretores da América Latina que estão fazendo filmes relevantes nos EUA. Há algum movimento ou alguma semelhança nessas obras?

Curiosamente esse ano, Alfonso Cuarón, Guillermo Del Toro e eu estamos estreando nossos filmes no outono e são três filmes que coincidem tematicamente, como se fosse parte de uma trilogia que se criou sem haver planejamento. As três películas falam de terrorismo, autoritarismo, imigração, que são os temas do século 21. A diferença é que o filme de Guillermo Del Toro se passa no passado, durante a guerra civil espanhola, o meu filme explora temas presente e Alfonso Cuarón faz um questionamento, com Filhos da Esperança, sobre o nosso futuro. São projetos primos, irmãos, por isso estamos os três muito contentes. Estão saindo vários artigos nos EUA sobre essa coincidência, em que três mexicanos de classe média, que vivem fora de seu país, estão fazendo algo não planejado, mas interligado. A que se deve isso? Eu acho que à necessidade de expurgamos os nossos fantasmas.

O cinema mexicano possui uma história e uma tradição forte e sua importância aumenta de proporção ainda mais se situarmos essa cinematografia no contexto latino-americano. A influência do cinema mexicano foi expressiva em toda América Latina durante décadas. De que maneira você acha que você e sua obra se inserem nessa tradição e quais cineastas mexicanos foram importantes para a sua formação?

Quando cresci o cinema mexicano estava muito mal. A geração anterior à minha, dos diretores que agora estão com 50 anos, passou por uma etapa bastante difícil. Quando eu era jovem praticamente não havia cinema mexicano. O cinema mexicano estava povoado de prostitutas e temas menores. Não havia um bom cinema. O cinema mexicano que eu vi foi na televisão, os filmes em preto e branco da época de Emilio "Índio" Fernandéz. Era um cinema bastante maniqueísta, muito melodramático, mas que apresentava valores provincianos, rurais e que tinha uma grande fotografia de Gabriel Figueroa. Sempre na minha escola víamos filmes de Buñuel, porém eu não nasci e nem cresci com uma geração de grandes cineastas que me inspiraram. Um dos sobreviventes era Arturo Ripstein, mas não tive uma aproximação com os cineastas e o cinema, sobretudo da minha geração. Eu não mamei desde pequeno no cinema do meu país. Estou mais próximo do cinema americano e do cinema europeu do que do cinema mexicano.

Em seus filmes os acontecimentos são desencadeados a partir de um acidente. Em Babel, esse acidente é concretizado através de um objeto especifico: uma arma. Você poderia falar um pouco sobre a presença e a representação da violência em seus filmes?

O ato violento que acontece em Babel tem uma raiz muito diferente do que temos em Amores Brutos. Aqui o ato que causa o acidente é resultado da inocência dos garotos. Como o caso de Amélia, que leva as crianças para o outro lado da fronteira, resultado da ignorância. Então, esses atos não se originam da maldade ou de uma decisão divina, da tragédia, no sentido grego da palavra tragédia. Em Babel, um japonês presenteia sua arma a um guia turístico, isso é um ato de bondade. Mais que acidentes, são decisões que determinam os personagens.

No caso dos EUA, existem as paranóias políticas internacionais de fazer guerras preventivas contra o terrorismo. Os EUA pensam "se você não está comigo, está contra mim". E para eles os mexicanos são uma praga, mas o que seria deles sem os mexicanos? Para mim foi uma decisão difícil matar o menino marroquino, mas também foi importante para lembrar que os meios de comunicação não mostram quantas crianças morreram na guerra do Iraque e no Afeganistão. Não mostram as imagens por vergonha. Para mim foi essencial mostrar aquela imagem, como uma metáfora das conseqüências dessas políticas e de quem as sofre. A violência dos meus filmes não é utilizada da mesma forma que os filmes americanos comerciais. Não é uma violência que diverte, não é uma violência que faz rir ou que excita. Eu não banalizo a violência, e a morte tem um peso muito sério, é parte da vida. Também não faço uma homenagem e também não gosto quando chamam os meus três filmes de "trilogia da morte". Eu fiz uma trilogia da vida.

Você sempre procura usar a sempre a mesma equipe. Você aceitaria fazer um projeto sem a sua equipe?

Sim, tudo depende das condições, mas para mim é melhor estar cercado de pessoas que considero como se fossem minha família. Claro que numa situação dessas eu ficaria muito solitário, humilhado. E é melhor estar cercado da sua família para suportar as humilhações.

O cinema se faz por etapas e para cada uma delas eu conto com uma dessas pessoas. Na primeira fase Arrriaga é um colaborador muito importante, pois é a hora de se pensar na história, no roteiro do filme. Na segunda etapa, a da produção, tenho que contar com uma equipe muito grande como Rodrigo Prieto, Gustavo Santaolalla, entre outros. A terceira parte é muito solitária, seis meses preso dentro de uma ilha de edição com Stephen Mirrione, a quem vejo mais que a minha esposa. O bom de se trabalhar com quem se conhece é que as palavras podem ser substituídas por um olhar. Não contar com eles seria ruim. Mas é claro que pode acontecer que um dia eles estejam ocupados e não dê para contar com eles. Trabalhar com eles custa muito dinheiro, e no momento isso é algo que me falta. Logo, tenho que aprender a sobreviver sem eles, mas eu creio que os meus colaboradores são parte essencial nos meus filmes.

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