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Olga

Olga

19.08.2004, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H16

Resenhas, bem como a maioria dos textos jornalísticos, devem ser escritos num tom impessoal, mesmo que com muita opinião de quem as escreve. Abrirei uma exceção desta vez para falar de Olga na primeira pessoa do singular, pois desde que li o livro de Fernando Morais, há mais de 10 anos, gosto tanto da história que resolvi batizar minha futura filha de Anita (a contragosto das namoradas que tive neste período), e torná-la xará da descendente de Olga Benario e Luís Carlos Prestes.

Por isso, desde que vi as primeiras seqüências do filme (no site do diretor Jayme Bonjardim) fiquei com medo da forma como a história seria contada. Todas as cenas eram épicas demais, grandiosas e cheias de orquestras. Ao me sentar no cinema para assistir ao longa, o meu medo se confirmou. A cada troca de olhares dos protagonistas, a cada drama, a cada choro há closes e violinos em excesso. Isso torna as cenas lentas e o filme não consegue decolar, nem empolgar como poderia.

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Tecnicamente, porém, Olga é um exemplo a ser seguido. A excelente direção de arte e cenografia de Tiza Oliveira, Gelson Santos e Érika Lovisi e o figurino de Paulo Lois são excelentes e recriam muito bem a ex-União Soviética, Alemanha e Rio de Janeiro dos anos 1930. A produtora e roteirista Rita Buzzar disse na entrevista coletiva de divulgação do filme que chegou a cogitar a filmagem in loco, mas além de encarecer demais o projeto, os alemães exigiam que o longa fosse comandado por um diretor local. Com a escolha de Monjardim, refazendo a dupla diretor-roteirista da telenovela Ana Raio e Zé Trovão (da extinta TV Manchete), a saída foi transformar o calor de Bangu na fria Europa, onde Olga cresceu e, no fim, padeceu. Sal grosso no chão e isopor voando faziam as vezes da neve. Para segurar o sol carioca, foram utilizados galpões de antigas fábricas de tecido, que eram totalmente lacrados para que nenhum raio de luz entrasse e desse a Ricardo Della Rosa (diretor de fotografia) total poder para deixar o filme monocromático.

O elenco também prova que fez sua lição de casa e mostra total intimidade com personagens e época. Camila Morgado e Caco Ciocler têm boa química e passaram por transformações físicas para compôr o casal Olga Benario e Luís Carlos Prestes Prestes. Camila se submeteu a treinamento no exército, aulas de tiro e emagreceu 11 Kg, além de ter seus cabelos pintados, cortados e finalmente raspados. Caco também perdeu suas madeixas e teve de raspar sua barba. A diferença de estatura entre os dois - Olga tinha 1,75m e Prestes apenas 1,59m - foi minimizada por ângulos de câmeras e enormes saltos nos pés da atriz.

Mas se os atores são bons e tecnicamente o filme é um dos melhores feitos por aqui, onde está o problema? O principal defeito de Olga é seu roteiro. Rita e Monjardim optaram por mostrar principalmente o romance entre os dois, que surgiu quando Olga era a guarda-costas de Prestes e responsável por trazê-lo de volta para o Brasil, para que ele pudesse comandar a primeira revolução comunista da América do Sul, depondo Getúlio Vargas do poder. Disfarçados como um riquíssimo casal português em lua-de-mel, a judia de origem burguesa, mas ideologia comunista, e o líder brasileiro, cabeça da famosa Coluna Prestes, se apaixonam e o que era um faz-de-conta se torna real.

Já os demais personagens pouco aparecem, deixando pouco espaço para seus atores mostrarem serviço. Mesmo Leocádia Felizardo Prestes (Fernanda Montenegro), mãe de Prestes, que na vida real teve grande papel na luta pela liberação de Olga e sua filha das prisões de Hitler, fica confinada a alguns minutos na tela. O presidente Vargas (Osmar Prado) e seu chefe de polícia, Filinto Müller (Floriano Peixoto), sofrem do mesmo mal. São abrandados seus papéis de vilões que deportam Olga (judia e comunista), grávida de uma criança brasileira, para os campos de concentração nazistas.

Aliás, mesmo se passando em um período pesado tanto no Brasil (com o Estado Novo varguista) quanto na Europa (o fortalecimento do nazi-fascismo), o filme quase não tem cenas pesadas. As torturas que aconteceram em solo brasileiro, cuja polícia teve treinamento com a Gestapo (polícia nazista), e os campos de concentração de Hitler são suavizados. Segundo Rita, o tema do filme já é pesado, então resolvemos mostrar um pouco de tudo. Dosamos para não ser um golpe baixo, não abusar do espectador. O golpe mais duro da fita é a separação de Olga e Anita, em ótima atuação de Camila, quando a menina de apenas 14 meses é tirada de sua mãe. Olga morreu no campo de concentração de Bernburg em fevereiro de 1942 sem saber que Anita estava desde então sã e salva com sua avó Leocádia e a tia Lygia Prestes (Mariana Lima).

Na entrevista, Camila disse que o filme começa com uma esperança de 100% e vai diminuindo. Na cena da morte da Sabo (Renata Jesion), Olga está com 10%. Pinçando injustamente esta frase tenho aqui exatamente o que senti sobre o projeto. Comecei cheio de esperanças e pouco a pouco vi minha animação se esvaindo. Assim, o que poderia ser o filme do ano, duro, emocionante, verdadeiro, acaba sendo um melodrama romântico de luxo, com a qualidade global, mas também a sua forma insossa. Uma Olga bem diferente daquela que eu quero homenagear.

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