Obscurinho do cinema
Obscurinho do cinema
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![]() Juan ( Rod Steiger) |
![]() John (James Coburn) |
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Na quarta coluna que escrevi para o Omelete (leia aqui), disse que meu filme favorito era Meu ódio será tua herança (1969), e continua sendo. Já o diretor favorito é uma categoria mais complicada. O verdadeiro diretor favorito é aquele que você gosta irrestritamente, nos piores e nos melhores momentos da carreira. Não há obras menores de um diretor favorito, ele sempre acerta. O meu, com três voltas em cima do segundo colocado, é o italiano Sergio Leone.
Isso cria um problema, já que não posso resenhar os filmes do Leone em uma coluna supostamente voltada ao udigrúdi. E um dos grandes prazeres do resenhista é justamente escrever sobre o diretor favorito. Por sorte, entre os vários longas que Leone dirigiu, um passou desapercebido. Ou melhor, um não é suficientemente lembrado quando se fala do diretor. Achei que justificava a coluna e, então, o assunto dessa edição é a fita Quando explode a vingança, de 1971. Os títulos originais são um caso à parte: na Itália ela se chama Giu la testa e, nos Estados Unidos, já foi lançada com três nomes diferentes, Fistfull of dynamite, Once upon a time in the revolution e Duck, you sucker (algo como Abaixe, otário). O nome que o diretor queria é o último, os demais foram tentativas (frustradas) de alavancar Quando explode a vingança em cima de outros filmes do diretor.
Desapercebida ou não mencionada o suficiente ficou também sua edição em DVD, lançada no Brasil em 2005. Misto de épico, comédia, ação e cinema político, o filme merecia um sério ruflar de tambores na ocasião, mas foi escondido numa caixa "promocional", entre Três homens em conflito e Por um punhado de dólares. Apesar de ser bastante diferente das outras fitas, Quando explode a vingança sempre acaba agregada ao cânone, como se precisasse disso. Felizmente, e o mesmo acontece nas demais edições em DVD de Leone, a imagem está ótima, o filme veio inteiro e há opção para dublagem em italiano, um luxo necessário. A versão VHS, em contrapartida, tem meia hora a menos, imagem lavada e som inaudível.
Abaixe, otário!
Quando explode a vingança, doravante Abaixe, otário vamos respeitar o diretor se passa durante a revolução mexicana, no início do século passado. O filme conta a história do bandido Juan Miranda, cujo sonho é assaltar o banco da cidade de Mesa Verde, supostamente o mais rico de toda a região. No caminho, Juan conhece John Malloy (James Coburn), terrorista do Exército Republicano Irlandês que vive foragido no México. Enquanto Juan aproveita o clima de instabilidade causado pela guerra civil para aplicar seus golpes, Malloy quer mesmo é ser revolucionário, como nos tempos de IRA. Para Juan, o irlandês é uma mina de ouro: além de carregar dezenas de dinamites no colete, Malloy também sabe usá-las. Empregando certos métodos de persuasão pouco convencionais, Juan convence Malloy a ajudar seu bando no assalto à Mesa Verde. O filme é todo centrado na improvável amizade que se trava (aos poucos) entre o bandoleiro e o terrorista. Em certo momento, eles aderem à causa e Abaixe, otário ganha contornos épicos.
Esse jogo entre e aventura e épico faz do filme uma espécie de intersecção na obra de Leone. Enquanto empresta os cortes rápidos, o andamento e a fotografia de seus faroestes da fase Clint Eastwood Por um punhado de dólares, Por uns dólares a mais e Três homens em conflito o diretor extrapola esse elementos e os torna quase farsescos. Logo no início do filme, por exemplo, Juan pega carona na carruagem de um grupo de aristocratas. Por não achar que Juan entende inglês, ou por simplesmente não se importar, os aristocratas falam mal dos mexicanos, do próprio Juan e também de sua mãe. Leone aproxima a imagem da boca dos interlocutores, que estão almoçando. O padre, a senhora de respeito e o contador têm os dentes tortos, quase podres, e mastigam de boca aberta, enfim, uns selvagens. Em seguida, o bando de Juan assalta a carruagem, e os aristocratas acabam nus e perdidos no deserto. Juan ainda abusa da mocinha que, depois do ato, só falta lhe pedir o telefone. A seqüência é teatral, exagerada.
A partir do momento em que os personagens aderem à revolução, Abaixe, otário passa a lembrar mais os épicos Era uma vez no Oeste e Era uma vez na América. Só que Leone não se fixa a gêneros específicos, e, de cena em cena, alterna o tom entre a comédia, o faroeste e o épico. Até as (ótimas) atuações de Coburn e Steiger acompanham essas mudanças constantes na narrativa. Por ser um filme longo, de quase três horas de duração, o diretor tem espaço para desenvolver a trama com calma e também para, aos poucos, colocar em movimento uma série de eventos paralelos que culminam num final estrondoso. O resultado é que Abaixe, otário tem uma estrutura complexa, personagens trabalhosamente construídos e é, ao mesmo tempo, um verdadeiro bangue-bangue à italiana, com direito a explosões e tiroteios memoráveis.
É injustiça que Abaixe, otário não seja tão lembrado quanto os outros filmes de Leone. Da trilha-sonora impecável do italiano Ennio Morricone aos diálogos característicos do diretor, está tudo lá. Se fosse uma resenha mais isenta, poderia até se dizer que falta um pouco de coerência à fita e que ela é dispersa, ou algo assim. Não é o caso. Abaixe, otário é outra obra-prima do italiano que foi responsável por uma das mais significativas revoluções do cinema do século XX. Com a série de filmes estrelados por Eastwood, Leone inventou um gênero e influenciou gerações de diretores. Aqui, ele parodia esse gênero, parodia a si mesmo e, ainda assim, não cai no pastelão. Uma tarefa árdua que Leone, na condição de melhor diretor de todos os tempos, supera sem dificuldades.








