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Meninas | Crítica

Meninas

04.05.2006, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H20

Meninas
Brasil, 2006, 71 min
Documentário

Direção e roteiro: Sandra Werneck

Participações: Edilene, Luana, Evelin, Joice, Antonizia Ferreira dos Santos, Nílson Diogo da Silva Jr., Jéssica Ferreira do Amaral, Jacqueline Ferreira do Amaral, Ana Paula Ferreira dos Santos, Talita Ferreira dos Santos, Elisabeth Roeder, Rosimar José dos Santos, José Gentil Rodrigues da Costa

Pelo simples fato de a diretora Sandra Werneck trabalhar com um mesmo núcleo sociológico fechado, composto por adolescentes da periferia do Rio de Janeiro, abrindo mão da possível abrangência econômica e geográfica desse universo, estima-se que Meninas esteja voltado a uma preocupação fundamentalmente social.

Depois de passar por uma bem-sucedida carreira na ficção com filmes como Pequeno Dicionário Amoroso e Cazuza - o Tempo não Pára, Werneck volta à praia dos documentários. Durante um ano, a equipe acompanhou a trajetória de quatro meninas adolescentes, desde o início da gravidez precoce até os primeiros dias após o nascimento dos seus filhos. No dia em que completa 13 anos, Evelin descobre que está grávida de seu namorado, um rapaz de 22 anos que acaba de se desligar do tráfico de drogas na Rocinha. A possibilidade de um aborto nem passou pela cabeça de Luana, 15 anos, quando ela descobriu que estava grávida. Órfã de pai, Luana vive com quatro irmãs e a mãe em uma casa onde só há mulheres. Edilene é outra amostra do quadro estatístico das gurias que não planejaram nem evitaram sua prenhez. Neste caso, mãe e filha estão grávidas. Edilene espera um filho de Alex, por quem é apaixonada, que engravidou ao mesmo tempo sua vizinha, Joice, de 15 anos.

Mesmo trabalhando com trajetórias e motivações pessoais distintas, a diretora procura dar um tratamento equânime a este segmento abordado. Seus princípios cinematográficos são coletivizados, distribuídos em iguais proporções a cada uma das mancebas. Há momentos em que alguns depoimentos e comportamentos individuais se destacam mas, de um modo geral, tem-se a impressão de que o documentário registra uma grande família, composta por células vizinhas quase idênticas. Enquadramentos, cortes, luz, tempo de diálogo, aproximação da câmera e demais componentes do livreto técnico são praticamente fotocopiados entre uma menina-mãe e outra. Mas isso não significa incipiência profissional, falta de criatividade ou de inspiração. Werneck deve ter plena consciência de que a homogeneização documental transfere a luz da questão para outra esfera que não aquela mostrada pelas lentes. As quatro adolescentes sofrem as mesmas influências externas, convivem com as mesmas intempéries ambientais e, muito provavelmente, ambicionam os mesmos sonhos de consumo.

Meninas não tem divisórias didáticas nem elementos extralingüísticos explicativos inseridos, mas dá pra notar algumas diferenciações de passagem de tempo nesse registro monocromático. Nos primeiros meses de gravidez, as depoentes demonstram uma certa naturalidade perante o fato e uma despreocupação com suas possíveis conseqüências. Trata-se de um aparente descaso em relação a essa nova vida, comumente observado em nichos sociais mais pobres: pessoas nascem e morrem, imperceptíveis aos olhos da grande massa social.

À medida que o feto uterino vai se formando, meses depois dessas falas desvinculadas da importância da gestação de um novo ser vivo no mundo, criam-se novas expectativas. Werneck acompanha mais de perto esse tom mais emocional recheado por frases comovidas e discursos mais amadurecidos. É como se estes vindouros bebês também fossem proto-personagens do filme, embora ainda estejam ocultos nas placentas maternas das protagonistas. A figura da menina rebelde e cheia de espinhas cede lugar ao surgimento da menina-mãe que terá que amamentar e trocar fraldas. A presença ilustrativa da mamãe que ainda brinca de boneca é um aposto irônico que ajuda a deixar este quadro ainda mais confuso.

Sandra Werneck foi esperta em usar uma linguagem que interfere pouco no objeto. Evitou o uso de alguns artifícios recorrentes nos novos documentários nacionais advindos da escola Eduardo Coutinho, como manter a voz do interlocutor e os diálogos entre diretor e dirigido, mostrar a equipe técnica, registrar o acompanhamento em direção ao fato ou quaisquer símbolos denotativos do filme em primeira pessoa. Também evitou o uso de recursos apelativos emocionais, como a famosa câmera que não se afasta do entrevistado, mesmo após o ponto final da frase falada, como se estivesse à espera de um choro ou de uma comoção fabricada. Nesse aspecto Meninas é um filme mais frio e distante. Não há indícios de qualquer relação de empatia ou vínculo afetivo entre a equipe e as garotas.

Essa pseudo-imparcialidade retratada na aparência translúcida de neutralidade não evoca uma postura apolítica, muito pelo contrário. A não-interferência se dá apenas no campo estético. A cena do baile funk, descontextualizada do ritmo dos depoimentos, serve de indício de uma possível crença da diretora, nem tão explícita assim, de que esses redutos de diversão são o foco de proliferação da promiscuidade, onde os jovens procuram se soltar mais e estão mais expostos e volúveis a tomar atitudes impensadas.

Com isso, o por-cima-do-murismo da diretora acaba se tornando um revés do filme. Opaco demais pra trazer as emoções dos retratos das personalidades individuais. E abatido demais pra colocar esses dados estatísticos como um problema social que o conjunto da sociedade deve abortar.

Érico Fuks é editor do site cinequanon.art.br

Nota do Crítico
Regular
Meninas
Meninas
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Meninas

Ano: 2005

País: Brasil

Classificação: 1 anos

Duração: 71 min

Direção: Sandra Werneck, Gisela Camara

Onde assistir:
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