Filmes

Crítica

Terra de Sonhos | Crítica

<i>Terra de sonhos</i>

05.02.2004, às 00H00.
Atualizada em 28.11.2016, ÀS 01H13

Terra de Sonhos
In America
, 2002
Irlanda/Reino Unido
Drama - 107min.

Direção: Jim Sheridan
Roteiro: Jim, Naomi e Kirsten Sheridan

Elenco: Paddy Considine, Samantha Morton, Sarah Bolger, Emma Bolger, Djimon Hounsou e Juan Hernandez

Johnny (Paddy Considine) e Sarah (Samantha Morton), imigrantes irlandeses recém-chegados à América, ainda não se acostumaram à clandestinidade de Nova York. Pior. Hospedados numa espelunca de drogados na vizinhança da chamada "Cozinha do Inferno", são pegos de surpresa, sem ar-condicionado, pela umidade do verão. Para aliviar, rumam a um cinema, sala devidamente climatizada. É uma exibição de E.T. - O Extraterrestre. As duas filhas do casal, Christy e Ariel (as irmãs Sarah e Emma Bolger, respectivamente onze e sete anos de idade), esquecem o calor massacrante e se apaixonam pelo mascote spielberguiano.

Depois da sessão, a família ruma a um parque de diversões. Johnny pára diante de uma barraca de arremesso ao alvo: o brinde é, justamente, o alienígena do filme. Chance de ouro do pai, desacreditado e sem dinheiro, de se reabilitar diante das meninas. Pelas regras, a cada tentativa errada, dobra-se a aposta; mas se o desafiador acertar, ganha o dinheiro todo de volta. A cena é emblemática. Johnny arrisca perder todas as suas economias, inclusive o dinheiro do aluguel, em troca de um orgulho banal - uma grande metáfora da selvageria que envolve sucessos efêmeros, sobrevivência e cultura do espetáculo no coração dos Estados Unidos.

É o melhor momento de Terra de Sonhos (In America, 2003). Um instante de crítica pertinente, ponderada e atualíssima. Pena que seja também o último.

Mero sentimentalismo

Conforme os irlandeses vencem desafios e se firmam na cidade, a temática do imigrante é substituída por um drama familiar de mortes passadas e lembranças represadas: descobrimos que Johnny e Sarah se mudaram da Irlanda para esquecer a morte de seu filho, Frankie. Seria como se o filme prometesse Dogville (de Lars Von Trier, 2003), mas se revelasse O Quarto do filho (La Stanza del figlio, de Nanni Moretti, 2001).

A princípio, isso não é um problema da película, só um equívoco de expectativas. Fica mais fácil entender as opções do diretor irlandês Jim Sheridan - célebre idealizador de Meu pé esquerdo (My Left Foot, 1989) e Em nome do Pai (In the name of the Father, 1993) - se conhecermos o teor autobiográfico de Terra de Sonhos. De certo modo, Johnny é Sheridan. Como o personagem, o diretor mudou-se com a família para a Cozinha do Inferno, penou para alimentar as duas filhas e também disputou o E.T. no parque de diversões. E como no filme, uma tragédia pessoal pontua a história. Frankie Sheridan, irmão do diretor, morreu vitimado por um tumor cerebral durante a elaboração do filme.

Seria um bonito retrato pessoal se, ao manter esse profundo envolvimento, Sheridan não começasse a perder o controle do filme. A opção pelo drama da perda do filho se revela arriscada, resvala perigosamente em clichês típicos de um Supercine. Sustenta a trama a boa participação das duas meninas. Mas, ao contrário da sempre excelente Samantha Morton, Paddy Considine tem dificuldade de transmitir a angústia de Johnny.

A essa altura, a força inicial se esvai, sobra apenas o sentimentalismo - algo otimista, humano e tocante, mas ainda assim mero sentimentalismo. O momento crucial dessa inversão foi, claro, quando Johnny conseguiu ganhar o boneco do E.T. e conquistou o seu dinheiro de volta. Detalhe: a realidade foi mais cruel com Sheridan, que saiu do parque com as mãos vazias. Imagine se o cineasta irlandês tivesse mantido a aspereza do relato, exatamente como lhe aconteceu, sem suavizar as dificuldades da imigração... Por pouco, Terra de Sonhos não se torna um grande filme.

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Ao continuar navegando, declaro que estou ciente e concordo com a nossa Política de Privacidade bem como manifesto o consentimento quanto ao fornecimento e tratamento dos dados e cookies para as finalidades ali constantes.