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Crítica

Apolônio Brasil: Campeão da Alegria | Crítica

<i>Apolônio Brasil: Campeão da alegria</i>

13.11.2003, às 00H00.
Atualizada em 12.11.2016, ÀS 20H06

Apolônio Brasil: Campeão da alegria - Brasil, 2002
Musical - 117 min

Direção: Hugo Carvana
Roteiro: Mauro Wilson, Hugo Carvana, Denise Bandeira

Elenco: Marco Nanini, Louise Cardoso, Antonio Pitanga, Marcos Paulo, Sylvia Bandeira, Alessandra Verney, Caio Junqueira, Antônio Pedro

O escritório onde ocorreu a sessão de imprensa se assemelha a um consultório de dentista. Decoração minimalista, modernosa, branca, clean , impessoal. Meio metro separa as pessoas na apertada ante-sala, mas parece que uma parede psicológica impede qualquer interação.

Já a porta da sala de projeção é tão pesada quando a tranca de um frigorífico. O clima no escuro é igualmente congelante. Então começa Apolônio Brasil - campeão da alegria (2003) e a atmosfera se transforma. É o ambiente ideal para um choque cultural e comportamental. O mundo na tela é oposto, amistoso, sonoro e caloroso, e não demora a sair um sorriso.

O contexto também propicia o choque. Em tempo de bilheterias gordas, o cinema brasileiro vive tanto do retrato da violência social quanto da mais habitual comédia de formato televisivo. Só não têm espaço aquelas antigas chanchadas, comercialmente um sinônimo de declínio.

Apolônio Brasil chega, pois, para enaltecer esse cinema esculhambado que não vemos mais, tecnicamente duvidoso e afetivamente cativante. Um cinema que vive no coração de gente da velha escola, como o diretor do filme, Hugo Carvana. Tudo se baseia na idéia do choque. Impacto assimilado, o espectador pode até se empolgar. Se o impacto for seguido de negação, de alergia, a sessão fica insuportável.

Whisky e dores de cotovelo

O filme trata da vida de Apolônio, interpretado com gosto por Marco Nanini na vida adulta e Caio Junqueira na juventude. O homem tem dois trunfos imbatíveis: a lábia poética e o dom ao piano. Desde a adolescência, nos anos 50 e 60, deixa a sua marca nos bordéis do Rio de Janeiro. Boêmio e conquistador, nos 80 coleciona amigos e admiradores na boate Golden Night, onde escolta a voz das divas locais e, vez ou outra, arrisca cantar alguma melancolia amorosa. Dores de cotovelo, MPB, smoking e whisky, esse é o tom.

De tão arisco, Apolônio sugere que, na sua morte, não seja enterrado num caixão fedorento. Quer ser esquartejado, que suas partes sejam espalhadas por aí. Os desígnios são cumpridos, para desgosto dos amigos que acompanham a cerimônia. Acontece que o cérebro de Apolônio é privilegiado, como descobre um empresário norte-americano do ramo das clonagens, Dr. Boris (José Lewgoy, 1920-2003). Para entender como uma pessoa podia ser tão feliz e gerar tanta alegria, o doutor convoca os antigos convivas de Apolônio para contar as suas memórias. A partir desse flashback nostálgico o filme caminha.

A título de alerta, vale repetir: os números musicais revivalistas dividem a tela com o nonsense bizarro, às vezes constrangedor, da tal história do cérebro. Ambos são de difícil digestão. Mas possuem a sua graça, tudo depende da aceitação e do gosto do freguês. Se há um defeito a apontar, é o evidente descompasso entre esses dois pólos condutores, que provoca altos e baixos constantes.

Irregular, em alguns momentos o filme tem a cadência morna daqueles quadros melodramáticos do Faustão, que exibem os familiares, professores e amigos do artista homenageado. Nesse miolo do filme falta o chamado conflito que mantém o interesse do espectador. Não por acaso, Apolônio Brasil se emenda novamente, e tem o seu grande momento, quando a alegria do protagonista é colocada à prova de uma dura desilusão amorosa.

Em todo caso, o saldo é positivo e, principalmente, saudável. Acompanhar Nanini enchendo a boca para xingar um produtor musical, ou demonstrando real emoção numa canção de Tom Jobim (1927-1994), ou dançando ao som de "Neurastênico" (o melhor número do filme), já seria suficiente. O clichê "alegria contagiante" se encaixa com justiça aqui. Coisa de antologia mesmo.

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