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Eu Sou a Lenda

Como seus antecessores, adaptação é reflexo de seu tempo

17.01.2008, às 17H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H32

Lançado em 1954, o romance Eu Sou a Lenda, de Richard Matheson, está em sua terceira adaptação para o cinema - e deve ganhar muitas mais no futuro. O motivo são as excelentes idéias contidas na obra, que se relacionam com os temores mais primais da humanidade, que não envelhecem. Essa base é a mesma nos três filmes - Mortos que matam (The Last Man on Earth, 1964), A Última Esperança Sobre a Terra (The Omega Man, 1971) e o atual, Eu Sou a Lenda (I Am Legend, 2007) - todos absolutamente distintos esteticamente e icônicos representantes de suas épocas.

Enquanto o primeiro, com Vincent Price, é um "filme B" puro, e o com Charlton Heston um berrante exemplo dos filmes exploitation setentistas, Eu Sou a Lenda é um blockbuster típico, carregado da competente megalomania hollywoodiana, mas com o "algo a mais" que marca os bons representantes do gênero, feito os filmes de Sam Raimi e Peter Jackson. A produção do oscarizado Akiva Goldsman, o competente cineasta Francis Lawrence e o astro Will Smith dá certo justamente ao exercer o poder da maior indústria cinematográfica do planeta. Se Exterminío tem uma das mais legais cenas de cidade abandonada já feitas, Eu Sou a Lenda tem um filme inteirinho delas - e gravadas na Nova York de verdade, interrompendo as veias da frenética capital do mundo em prol da diversão. Cinema superlativo é isso aí.

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Mas se a indústria dá ao filme o orçamento necessário para levar as imagens concebidas por Matheson às telonas de maneira surpreendente, também cobra seu preço.

Lawrence não esconde que duas versões do final da produção foram gravados - e que o primeiro, mais filosófico, subjetivo e (ele não usa essa palavra, mas fica claro que é exatamente isso o que quer dizer) "inteligente", foi removido em detrimento de um final "mais comercial", nas palavras do próprio diretor. Acontece que o grande problema do filme é justamente seu final... o clímax é destoante do resto do filme, lembra demais a obra de outro cineasta, M. Night Shyamalan, com uma reviravolta gratuita, que emula aquele estilão esotérico-família do diretor indiano.

Pena, pois até ali o filme beirava o irretocável. Lawrence entende perfeitamente um dos conceitos mais óbvios e ignorados da Sétima Arte: você não precisa contar o que está mostrando - e o filme silencioso, que tem quase dois terços apoiados apenas em um personagem - é perfeito para explorar isso. O cineasta conta sua história com imagens e Will Smith responde a isso. O bom ator, perfeito no papel de Robert Neville, último homem em uma cidade infectada, tem alguns monólogos, mas acompanha seu diretor nos pequenos momentos que dão toda a riqueza do filme. É nos detalhes e na pesquisa que está a história de fundo, não nos flashbacks e texto.

A necessidade do apelo comercial é visível também nas criações dos monstros. Os humanos transformados por um terrível vírus, criado originalmente pela ciência para erradicar o câncer, foram gerados por computação gráfica. O recurso, que já não havia funcionado muito bem em Constantine (os Sem-Mente são muito falsos) parece deslocado aqui. Afinal, todo o resto do filme tem enorme preocupação com a fidelidade científica, então como explicar que pessoas infectadas ganhem superforça, supervelocidade, maxilar inumano, tornem-se capazes de escalar paredes, etc? Ok, isso é um certo preciosismo, afinal, a obra de Matheson falava de humanos-vampiros... mas se Eu Sou a Lenda buscou o tempo todo o realismo, os bichos simplesmente não convencem no final. Monstros na tradição de um George A. Romero seriam muito mais assustadores - mas bem menos comerciais...

De qualquer maneira há qualidades de sobra para justificar uma visita ao universo de Matheson através dos olhos de Lawrence. Smith está competente como nunca (atenção para a cena com o cachorro no laboratório e as discussões com Ana, vivida pela brasileira Alice Braga), o cineasta sabe direitinho o que faz e o roteiro tem um ritmo diferente do que normalmente se vê por aí. E se as concessões comerciais existem, bom, ao menos funcionaram perfeitamente dentro das intenções do estúdio. Afinal, ninguém esperava o tamanho do sucesso do filme no mundo todo. Vai ver eu é que estou querendo demais.

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