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Na segunda metade da década de 1990 eu trabalhava para uma editora de quadrinhos nacional, na qual era responsável pela adaptação das capas estrangeiras para o português. Fazia versões de logotipos, diagramação e coisas assim. Na época, já conhecia o trabalho de Dave McKean e Neil Gaiman e foi com muito entusiasmo que recebi os arquivos digitais para adaptar a capa de Sandman 1.
Quando o CD chegou ao meu escritório, corri para abri-lo, afinal, como designer gráfico tenho McKean como um de meus artistas favoritos. Foi com espanto que, ao clicar na foto que servia de fundo de capa, entendi exatamente o tipo de dedicação que aquele profissional empenhava em seu trabalho. A foto de Sandman 1 é, na verdade, uma escultura do tamanho de uma porta. Nada ali é colagem ou falso. Cada elemento é real, construído ou montado para a composição daquela fantástica imagem. A prova disso? Uma pessoa segurava a escultura por trás e seus dedos apareciam nas laterais da foto. Incrível! Se eu já gostava de seu trabalho, passei a persegui-lo com verdadeira obsessão, chegando ao cúmulo de pagar uma fortuninha - pelo menos para os meus tempos de estudante - por uma edição especialíssima da bela graphic novel Cages, autografada pelo autor.
Meu apreço pela dupla é partilhado por muitos. Dave McKean e Neil Gaiman, famosos do grande público justamente por Sandman, estão entre os maiores nomes da história em quadrinhos mundial. Começaram sua celebrada parceria com Violent Cases, uma exploração de como a violência é percebida através dos olhos de uma criança. Seu trabalho seguinte, Signal to Noise, contou a história do filme sobre o fim do mundo, pensado por um cineasta moribundo. Apesar de belíssimos, os dois álbuns foram apenas aperitivo estilístico para Mr. Punch, sua terceira colaboração - e a primeira em que McKean mostrou do que realmente era capaz como artista e designer.
De fato, Mr. Punch foi também o empurrão para o início da carreira de cineasta de Dave McKean. O trabalho na HQ o agradou tanto que ele decidiu criar um CD-Rom da história ("na época em que existiam projetos em CD-Rom", lembra Gaiman), um projeto que teria também filmagens de atores. Assim, ele começou a montar a equipe que mais de uma década depois o ajudaria em Máscara da Ilusão (Mirrormask), o primeiro longa-metragem dirigido por ele e escrito por Gaiman e que chegou ao Brasil direto em DVD.
O filme foi uma encomenda da Jim Henson Pictures, que viu em Gaiman e McKean uma possibilidade de retomar o imaginativo universo do estúdio criado pelo pai dos Muppets. Assim nasceu o projeto, na tradição de clássicos como O cristal encantado e Labirinto.
A aventura fantástica conta a história de Helena (a graciosa Stephanie Leonidas), uma garota de 15 anos de idade que faz parte de uma família circense e que deseja fugir dali e juntar-se à "vida real". Depois de uma briga com seus pais (Rob Brydon e Gina McKee) sobre seu futuro, a mãe de Helena adoece e a garota fica convencida de que aquilo é sua culpa. Na noite anterior à grande cirurgia de sua mãe, Helena sonha que está em um mundo estranho comandado por duas rainhas antagonistas, criaturas bizarras e habitantes mascarados. As coisas não estão bem nesse novo mundo - a Rainha Branca está doente e sua saúde só poderá ser restaurada pela Máscara de Espelho e cabe à Helena encontrá-la, com a ajuda do atrapalhado Valentine (Jason Barry). Porém, conforme a aventura se desenrola, a garota começa a questionar se aquilo tudo é um sonho ou algo muito mais sinistro...
O resultado é assombroso. Imagine o trabalho gráfico de McKean em movimento e você entenderá exatamente o que ele conseguiu alcançar como cineasta. São criaturas fantásticas, cenários oníricos e uma ousadia estética mesmo nas cenas no "mundo real" - com o uso intenso de lentes diferentes e ângulos inusitados.
Quanto à história de Gaiman, ela segue a linha de suas obras mais populares, como Sandman e Coraline. Lembra um pouco a saga "Um jogo de você", do Senhor dos Sonhos, com um mundo sonhado por uma garota com problemas, mas expande a idéia de forma magnífica. Ele se arrisca até como compositor, ao escrever a letra da bela canção dos créditos finais. Ela foi trabalhada por Iain Ballamy, que assina a ótima trilha do filme.
Um trabalho excepcional, que agradará aos fãs da dupla e também quem nunca ouviu falar dos dois, mas aprecia o gênero fantasia. Um começo louvável para McKean e Gaiman no cinema e que já abriu as portas da sétima arte para eles, fazendo com que ambos colecionem projetos em Hollywood. Tomara apenas que lhes sobre tempo para continuar fazendo as histórias em quadrinhos que os consagraram...
