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As Férias da Minha Vida | Crítica

As Férias da Minha Vida

30.03.2006, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H19

As Férias da Minha Vida
The Last Holiday
EUA, 2006
Comédia - 112 min

Direção: Wayne Wang
Roteiro: Jeffrey Price e Peter S. Seaman

Elenco: Queen Latifah, LL Cool J, Timothy Hutton, Giancarlo Esposito Alicia Witt, Gérard Depardieu, Jane Adams, Michael Estime, Susan Kellerman, Jascha Washington, Matt Ross, Ranjit Chowdhry, Michael Nouri

De onde menos se espera, daí é que não vai sair nada mesmo. Essa versão do dito popular faz todo o sentido. Mas há exceções à regra. De As férias da minha vida (Last holiday, 2006), de Wayne Wang, por exemplo, seria legítimo aguardar pelo pior, mas o filme não é ruim.

Dos envolvidos não dava para aguardar muita coisa, para começo de conversa. Em filmes como A casa caiu e Um salão do barulho, Queen Latifah reproduz o estereótipo do gueto, que os estadunidenses adoram. Como As férias da minha vida se passa nos Alpes suíços, já é possível vê-la ensinando gringos a cantar rap... Já a última comédia romântica que o diretor chinês Wang rodou nos EUA foi Encontro de amor, em 2002 - seu currículo não ajuda.

A princípio, a premissa batida também não inspira confiança: mulher mal amada e desencantada com a sua rotina descobre que tem poucas semanas de vida, resolve tirar o atraso e descobre a felicidade no pouco tempo que lhe resta. Sendo uma comédia, não seria de espantar se revelassem no final que o diagnóstico da doença estava errado; não, a personagem não vai morrer, o final feliz está garantido. Aliás, quando o filme começa, damos essa possibilidade como uma certeza. Hollywood não ousaria matar uma figura carismática como Latifah, não é?

Mas a certa altura da projeção, quando a indisposição do começo se dissipou, aquilo que pintava como comédia escrachada vira uma leve história edificante. E o filme tende a ganhar a confiança do crítico, que até cogita: Puxa vida, talvez ela morra no final mesmo... . Esse é o maior elogio que As férias da minha vida poderia receber.

O segredo da felicidade é...

Não que o resultado seja uma obra-prima, os detalhes é que são interessantes. A começar pela presença de Latifah, que surge na telona com pouca maquiagem, sobrancelha grossa, anti-estilizada. A fotografia um pouco granulada ajuda a passar essa sensação de realismo. Ela interpreta Georgia Byrd, atendente da seção de cozinha de uma rede gigante de lojas de departamento. Anda na rua de cabeça baixa. No coral gospel da igreja, canta sem ânimo. A melancolia é enfatizada até o limite do melodrama e da verossimilhança.

Cena sintética: Georgia prepara em casa um delicioso frango assado, receita trabalhosa tirada do programa de TV do chef-celebridade Emeril Lagasse - mas na hora do jantar ela separa todo o saboroso prato para o menino vizinho comer, ela se contenta com um enlatado de microondas. O.k., pode parecer forçado, mas a idéia é clara. Georgia não tem um pingo de joie-de-vivre (os franceses, sua língua, assim como sua cozinha, aqui são referência, não escárnio). A alegria-de-viver está lá no fundo da sua alma, mas a personagem não sabe expressá-la. Isso vem depois, com a doença, a sensação de tempo perdido, a chance de condensar toda a experiência de uma vida em poucas semanas, e por aí a história engrena.

Outro detalhe que ajuda a enriquecer a trama é o contexto. Georgia é de Nova Orleans, mais exatamente do bairro cajun (também por isso as coisas boas dos franceses são enaltecidas). As férias da minha vida foi filmado antes da devastadora passagem do furacão Katrina por lá. O filme, assim, tem a melancolia encorpada pela tragédia da vida real. Latifah vira, de repente, porta-voz das dores do povo sofrido da Louisiana - e o roteiro sabe aproveitar bem essa faceta. Políticos omissos e empresários obcecados por lucro viram alvo de lições de moral de Georgia. Se a presença de cena da atriz já é suficiente para carregar um filme com simpatia, imagine então discursando em nobre causa... De repente o que parecia ser uma comédia descartável vira eficiente megafone dos justos e marginalizados.

Se As férias da minha vida consegue se equilibrar bem entre o humor previsível e o discurso edificante, não é o diretor Wang o responsável. A noção de câmera do diretor é capenga - há uma cena em que o personagem de Gérard Depardieu, chef do hotel suíço, imita um porco, mas a gag se perde simplesmente porque Wang escolhe um ângulo que não pega o rosto do ator de frente. Primário. Em outro momento, a cena em que Georgia desabafa com o coro gospel, por outro lado, Wang se sai bem - os closes nos instrumentos musicais, nos trejeitos afetados das pessoas, sugere uma crítica à espetacularização do sofrimento.

No fim, quem deve ficar com as glórias por botar em película um filme minimamente decente são Latifah (claro) e os roteiristas (que inclusive evitam a facilidade das piadas escatológicas). A certa altura o chef pergunta a Georgia se ela sabe o segredo da felicidade. Uma produção média de Hollywood costuma responder com um chavão clássico, tipo viver cada momento como se fosse o último. Aqui, não. O cozinheiro diz a ela que o segredo da felicidade é... a manteiga. Mais uma vez, o crítico-que-acha-que-consegue-antever-diálogos acaba desarmado. Um filme que enaltece a manteiga, a banha de porco e o leite gordo não pode ser ruim. Ah, e desta vez Latifah não ensina ninguém a cantar rap.

Nota do Crítico
Bom
As Férias da Minha Vida
Last Holiday
As Férias da Minha Vida
Last Holiday

Ano: 2005

País: EUA

Classificação: 10 anos

Duração: 111 min

Direção: Wayne Wang

Elenco: Queen Latifah, LL Cool J, Timothy Hutton, Giancarlo Esposito, Alicia Witt, Gérard Depardieu, Jane Adams

Onde assistir:
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