A Caminho de Kandahar | Crítica
A força das imagens garantem o impacto
Em Mera Coincidência (Wag The Dog, de Barry Levinson, 1997), o assessor político Conrad Brean, interpretado por Robert De Niro, cria uma guerra de mentira, produzida em estúdios de cinema, para desviar a atenção pública de um escândalo presidencial. Segundo Brean, bastam algumas imagens contundentes para que os conflitos fiquem impregnados indelevelmente no inconsciente popular, mesmo que sejam forjadas pela TV. Há certa razão nas palavras do personagem. Cenas como a marcha do batalhão nazista, como uma menina vietnamita correndo aflita pelas ruas ou como uma torre que desaba em NY marcam mais a humanidade do que a guerra propriamente dita.
Um dos diretores mais aclamados do cinema iraniano, Mohsen Makhmalbaf sustenta a sua nova produção exatamente nesse aspecto, o poder de cenas pungentes. A Caminho de Kandahar (Safar e Ghandehar, 2001) retrata a realidade do Afeganistão pré- 11 de setembro. Artifícios narrativos são colocados em segundo plano. O que importa é utilizar a influência natural que as imagens exercem, utilizar o nosso interesse por hábitos e costumes que pouco entendemos, para prender a atenção. Como bom iraniano, Makhmalbaf se esforça em escancarar o sofrimento que um dia afetou os seus compatriotas, antes da independência do Irã. Seja no colorido das burkas femininas em contraste com o bege do deserto, seja nos rostos infantis assustados pelo perigo de minas terrestres, tudo se baseia no caráter imagético da dolorosa vida muçulmana.
Próteses artificiais
Makhmalbaf decidiu filmar em território iraniano, semelhante ao deserto afegão, uma história que mescla documentário e ficção - trazida até ele por uma jornalista canadense. Niloufar Pazira nasceu na Índia, filha de pais afegãos, e morou no Afeganistão até os 16 anos. Em 1991, quando tinha 18 anos, decidiu se radicar no Canadá. Em 1998, recebeu uma carta de uma certa amiga de infância, que permaneceu no país muçulmano. Na carta, Pazira lia com pesar o relato. A amiga decidiu se suicidar, descontente com as limitações impostas pelo fundamentalismo islâmico. A jornalista, então, viajou para o Irã, numa última esperança de salvá-la. Chegou a conversar com Makhmalbaf, para que a ajudasse a resgatar a amiga. Mas Pazira não conseguiu entrar em território afegão.
De todo modo, o cineasta enxergou no episódio um forte tema. Convenceu Pazira a atuar no filme, no papel de uma jornalista que busca desesperadamente a irmã, residente em Kandahar, cidade tida como o inferno pelos próprios nativos da nação. No caminho até o seu destino, a jornalista encontra jovens garotos iniciados na prática religiosa/patriótica, mulheres ávidas por pulseiras e batons e médicos dedicados a atender os feridos de guerra. Em todo o filme, não há sequer uma menção a Taleban, Aliança do Norte, milícias, guerrilhas, Paquistão ou EUA. As imagens falam por si. Num determinado momento, a câmera exibe dezenas de homens, trôpegos, com uma perna só, correndo atrás das próteses lançadas pelo helicóptero da Cruz Vermelha internacional. Enquanto os pára-quedas trazem os membros artificiais, as pessoas que sofreram com o terror das minas terrestres se esforçam para garantir o auxílio. De fato, não é necessário grande esforço narrativo. A força das imagens garante o impacto.